domingo, 16 de setembro de 2007

"Anticurso" Revista Caros Amigos (Como não enriquecer na profissão)

Dia 1 (15 de setembro de 07)

Mylton Severiano: editor executivo da revista e responsável pela seção “Enfermaria”

A fachada estreita da editora Casa Amarela esconde um espaço agradável, peculiar e relativamente amplo. Nas paredes, muitas capas anteriores da Caros Amigos, um retrato de Che Guevara, fotos da antiga revista estadunidense Life e mais algumas outras imagens. A movimentação era pequena pouco antes do horário marcado para o início dos debates, com isso, ele foi adiado para acontecer às 13 horas e 30 minutos. Tanto os estagiários como os assistentes e todos aqueles que trabalham na revista foram muito simpáticos. O ambiente era de descontração proporcionado pelo público predominantemente jovem que ali estava.

Mylton Severiano abriu o Anticurso perguntando a ocupação de um a um da platéia. Seu depoimento foi marcado pela exposição de fatos e relatos importantes de sua trajetória no jornalismo que completará 50 anos em breve. Mylton destacou a figura do também jornalista Hamilton Almeida Filho em sua carreira, expôs sua opinião quanto ao diploma de jornalismo que, segundo ele, não deveria ser exigência para entrar no mercado e para tanto, contou algumas histórias de sua vida tentando mostrar que a profissão está mais ligada à vocação e ao talento do que à formação acadêmica. Comentou, inclusive, sobre a linha tênue que existe entre jornalismo e poesia, literatura; completando: "Ninguém pede ao poeta seu diploma de poesia não é?". No entanto, e de forma controversa, Mylton fez questão de deixar claro que não considera a formação do ensino superior perda de tempo, mas expôs um dado que mostra que apenas 12% de quem obtém a graduação em jornalismo segue a profissão. “A exigência do diploma causou a elitização da categoria”, completou Severiano.

Antes de encerrar sua palestra, Mylton mostrou um vídeo a respeito do caso da Escola Base e o grande equívoco da mídia em relação ao caso. E ainda, o jornalista contou sua experiências em mídias alternativas, iniciadas na revista Bondinho, passando pelo jornal Mais Um (1976) e pela publicação Doçura (por volta de 1980). Severiano relatou as dificuldades enfrentadas por ele e seus companheiros devido à repressão na ditadura e deixou claro sua repugnância pelo que os militares impunham à maioria da publicações que foi a censura prévia. O jornalista fechou sua participação contando o que Sérgio de Souza, também editor da Caros, disse ao convidá-lo para colaborar na revista: “Escreva sobre o que você gosta muito ou sobre o que não gosta nem um pouco”.


José Arbex Jr.: editor especial

José Arbex é um homem bastante espirituoso e agitado. Seu depoimento no anticurso foi carregado de críticas à grande mídia e ao sistema neoliberal de forma geral. Arbex apontou problemas importantes do fazer jornalístico como a insistência que certos veículos têm em considerar sua apuração imparcial e seus textos objetivos. Ele disse que a grande mídia apresenta os fatos como se fossem retratos da realidade e não aceitam ideologias e a militância, o que, para ele, é hipocrisia. O que Arbex denunciou em sua palestra é de alta relevância e por isso merecem espaço alguns trechos de seu depoimento.

“Existe liberdade de expressão no Brasil apenas formalmente”. O jornalista justificou a afirmação contando o boicote que uma distribuidora aplicou sobre o jornal com o qual trabalhou, o Brasil de Fato, publicação esquerdista produzida pelo MST. Segundo Arbex a mídia é um reflexo da desigualdade social, e por isso, só haverá modificações em sua hierarquia quando for mudada a própria organização da sociedade.

Outros pontos de vista interessantes foram expostos por Arbex, quase sempre bem-humorado e sarcástico ele se exaltava apenas ao contar o que o indigna. O jornalista apontou, por exemplo, a escolha do governo brasileiro pela tecnologia de TV digital japonesa um erro, segundo ele, o modelo oriental é um dos mais caros e menos democráticos. Ainda assim, Arbex vê com bons olhos a implantação da tecnologia digital no país. No entanto, alertou o público para o que já foi feito de forma errada pelo governo em relação à transmissões, como a empresa que cuida desse aspecto no Brasil que é Anatel, ter sido privatizada, assim como os satélites responsáveis pelo sinal que aqui chega. O jornalista foi categórico ao dizer que uma democracia da informação implica não só no direito de receber, mas também no direito de transmitir, referindo-se às concessões que o governo proporciona somente aos veículos que considera merecedores.

A identificação de Arbex com o Movimento dos Sem Terra é conhecida e vem de longa data. Tanto que o jornalista ajudou participantes do MST a montar o jornal Brasil de Fato. Dessa forma, ele pôde contribuir para uma mudança da percepção do que se pensa ser o movimento. O que a grande mídia cobre são apenas as invasões e o enfoque é dado ao caráter violento que o movimento pode adquirir - um dos aspectos que incomodam Arbex quanto ao MST - , no entanto, nada se fala sobre a organização e a magnitude dos projetos desenvolvidos dentro e fora dos acampamentos. "O MST é o primeiro movimento social com projeção nacional e conexão entre si. São esses dados que assustam e enfurecem a burguesia nacional, a questão da terra está longe de ser o principal ponto de discórdia", afirmou Arbex. O jornalista ainda explicou um pouco como funcionam as escolas dentro do movimento e a importância para eles da construção da consciência política desde a infância. Isso porque o estudo tem mais eficácia quando está aliado à mobilização prática. Desde pequenos, os garotos que vivem nos acampamentos precisam aprender como se defender e como lutar por seus direitos. "Educação formal não é igual a educação política, Hitler nasceu num país onde a educação formal é de alto padrão", completou Arbex.

Durante o debate aberto após o depoimento de Arbex, outras concepções importantes foram ditas por ele. "Quatrocentas empresas controlam a economia mudial, não há liberdade de comércio no mundo", disse ele e quando indagado sobre a relação entre poder aquisito e consumo de cultura, Arbex foi mais uma vez categórico: "Não há relação direta entre poder finaceiro e cultura, nível intelectual. O dinheiro é, na realidade, uma forma de censura." Segundo o jornalista ainda vivemos num sistema de escravidão, o que não permite o desenvolvimento e a melhoria da qualidade de vida de toda a população. Arbex soube conduzir toda a conversa com personalidade e opiniões fortes, há o que ser contestado em suas palavras, mas a percepção que o profissional tem da sociedade e da política mundiais é simplesmente genial.

Cheguei à palestra com grande expectativa e fui embora satisfeita. O público era heterogêneo e parecia interessado no que estava sendo dito ali. É gratificante perceber que o interesse na mídia alternativa tem crescido e que opiniões diferentes têm sim seu espaço.

http://carosamigos.terra.com.br/

Um comentário:

Eliane disse...

Dani muito bom publicar o que aprende você é realmente demais....